Aquilo que fica de um Tour des Flandres bem melhor do que pareceu
Por volta das 16h15, hora portuguesa, quando Niki Terpstra cruzou a linha de meta do Tour des Flandres e conquistou o 2º Monumento da carreira, ficou um certo sentimento de inevitabilidade no ar. Uma sensação de que faltou aqui qualquer coisa pois, tal como muitos previam, a Quick-Step Floors dominou e saiu da região de Flandres a sorrir mais uma vez.
Começando a circular pelas muitas camadas que a corrida teve, logo a luta por entrar na fuga do dia é algo que deve ser falado, até porque não é todos os dias que temos a oportunidade de ver esta parte fascinante da corrida. Foi um duelo intenso entre as principais equipas, e geralmente foram 50 kms neste esquema: 3 ciclistas ganhavam uma ligeira vantagem, um ciclista da Quick-Step tentava ir para a fuga, Lotto-Soudal ou Bora-Hansgrohe fechava o espaço. Finalmente todas as equipas dos favoritos hastearam a bandeira branca e formou-se a tal fuga de 11 unidades.
Nesta fuga não estava nenhuma equipa de grandes favoritos (mesmo dentro do pelotão não se via Kristoff, Laporte ou Nibali como grande favorito). Os ataques de ciclistas de segunda linha sucederam-se, assim como as quedas e problemas mecânicos. Mads Pedersen, Sebastian Langeveld e Dylan van Baarle, um grupo bem respeitável fizeram o que nós já dissemos várias vezes neste tipo de clássicas, corre-se bem melhor desde a frente e assim ganha-se margem para as colinas.
Numa análise mais fria foi aqui que se decidiu a prova, com estes 3 ciclistas na frente quem foi perseguir? A BMC e a Bora. Mesmo quando a Quick-Step tinha a superioridade numérica. Foi uma afirmação psicológica importante para a equipa belga, ninguém lhes passou factura de uma temporada de clássicas perfeita e havia equipas dispostas a queimar os últimos gregários, deixando os seus líderes sozinhos contra 4 corredores da Quick-Step Floors. A equipa belga e os seus ciclistas correram sem pressão e fizeram o que têm feito nesta época de clássicas, em equipa que ganha não se mexe, e em táctica vencedora também não.
Se analisarmos outro momento chave da corrida com atenção, a cerca de 30 kms da meta, Stybar até foi primeiro a mexer, marcado de perto, e só depois Terpstra atacou, indo atrás de Nibali. A partir do momento em que deram 100 metros ao holandês e não fecharam logo o espaço foi game over, a Quick-Step Floors foi perturbando uma perseguição que se demorou a organizar. Mais uma vez a marcação dos rivais a Gilbert e Stybar foi inútil, ainda havia Terpstra, que sabe que só pode ganhar assim.
Surpreendidos pela prova ter sido decidida numa estrada normal, fora do empedrado e das colinas? Não estejam, muitas vezes é assim, aqui e no Paris-Roubaix. Para terem uma noção mais exacta, a prova feminina, disputada na manhã deste Domingo, foi decidida neste preciso local. E em 2015, quando Kristoff bateu este mesmo Terpstra num sprint, o ataque do duo surgiu precisamente aqui, é quando as antenas dos ciclistas devem estar mais alerta.
Peter Sagan ainda tentou na última dificuldade, mas um tamanho esforço paga-se caro e o grupo dos favoritos uniu esforços e alcançou-o, antes do inevitável acontecer, Gilbert poupar-se e ainda fazer pódio. Destaque ainda para Mads Pedersen, este miúdo de 22 anos é o futuro. Não é um qualquer que faz isto, já demonstra que consegue lidar com a distância a tem muita coragem. É agenciado por um português, João Correia.
O público gosta de uma prova imprevisível e o desfecho foi o esperado. Ainda por cima ganhou um ciclista que, visivelmente, tem má imprensa. Não é espampanante, não é procurado para muitas entrevistas, não é muito activo nas redes sociais. Ainda esta semana, depois do triunfo na E3 Harelbeke, o Cyclingnews fez um artigo sobre isso, onde se falava do individualismo de Terpstra. Claro que no processo de escolher um ciclista favorito, isto tem tudo influência, mas por outro lado Terpstra é alguém que já cá anda há muito tempo, e nem sempre esteve na casa onde está, passou pela Milram, onde a vida não era fácil. As vitórias que consegue são sempre sacadas a ferro, sabe que tem de chegar isolado para poder festejar, pois a sua ponta final e capacidade de explosão são fracas.
Portanto, um desfecho esperado, um vencedor que não é propriamente o mais popular e umas expectativas elevadíssimas depois da fantástica edição de 2017 podem ter toldado a perspectiva sobre este Tour des Flandres 2018. Mas não se deixem enganar pela percepção, foi um Tour des Flandres completo, bom, com várias camadas e muito para analisar.