Volta ao Algarve 2018: análise e conclusões a retirar
Foi uma Volta ao Algarve morna, só houve grande espetáculo na última etapa e a classificação geral ficou demasiado marcada pelo contrarelógio. Claramente a vertente da subida à Fóia utilizada foi uma aposta falhada por parte da organização e não se deverá repetir a bem da prova. É verdade que a própria organização quis tornar a corrida menos dura e mais aberta, mas com um esforço individual na ordem dos 20 quilómetros, isso claramente torna o lote de possíveis vencedores muito restrito. Com melhores materiais e mais meios para trabalhar nesta especialidade, as equipas portuguesas ficam ainda mais prejudicadas ao termos uma Volta ao Algarve demasiado carregada pelo contrarrelógio. Também fomos mal habituados em 2017 ao termos um Amaro Antunes numa forma estonteante, mas parece-nos que esta edição de 2018 menos bem conseguida não foi somente por essa questão de perceção.
Richie Porte entrou nesta Volta ao Algarve como grande favorito, nós achávamos isso, a maioria da imprensa internacional também. O tasmaniano acabou por nos enganar bem. Vendo em retrospetiva ele sempre disse nas entrevistas que a sua condição física não estava nada de especial. Desvalorizou-se tal facto pois aquando do Tour Down Under ele fez o mesmo e acabou por pulverizar a concorrência em Willunga. Acabou na Fóia com os melhores, teve um contrarrelógio desastroso para os seus parâmetros e a BMC acabou por apostar em Tejay van Garderen, e com sucesso, pois conquistou o lugar mais baixo do pódio na geral. Porte estará a ter uma visão mais ampla da temporada, reservando energia e o pico de forma para o Tour, talvez numa derradeira tentativa.
A melhor equipa nesta Volta ao Algarve foi de novo a Team Sky, sem sombra de dúvidas, e bem que a formação precisava depois de uma semana em Valência que não correu nada bem. Kwiatkowski ganhou o sprint a subir na Fóia, Thomas dominou no contrarrelógio e quando parecia que o galês também ia ficar com a geral, eis que Kwiatkowski insere-se na fuga para ganhar no Malhão e ficar com a geral. Após um dia perfeito taticamente na Fóia, hoje as tácticas foram, no mínimo, sui generis, ao terem Kwiatkowski na fuga e perseguirem no pelotão. O que importa é que resultou, 1º e 2º na geral e 3 etapas ganhas. As clássicas estão aí à porta, e a Team Sky quer fazer história numa série de provas onde nem sempre foram felizes.
Por falar em domínio, o que dizer de Dylan Groenewegen e do seu comboio na Team LottoNL-Jumbo? Não houve concorrência ao holandês nas chegadas em pelotão massivo. Se na primeira foi poder puro após seguir na roda do comboio da FDJ, na segunda vitória apenas teve de concluir um trabalho absolutamente perfeito do seu comboio. O timing e capacidade física estiveram lá, Amund Jansen e Timo Roosen, as 2 últimas e principais carruagens deste comboio são jovens promissores, há muito que não se via um comboio tão jovem e tão bem oleado. Demare não teve pernas na primeira competição da temporada, numa Volta ao Algarve em que viu o seu comboio abandonar a prova aos poucos. Pelucchi esteve bem e Degenkolb esteve na luta, mas mais focado em preparar as clássicas, o alemão está longe de ser um sprinter puro.
Ruben Guerreiro ainda nos fez sonhar nesta última etapa, Jasper Stuyven fez um trabalho brilhante em prol do campeão nacional, e se Kwiatkowski não tivesse consigo Michal Golas a vitória teria, muito provavelmente, ido para Ruben Guerreiro. Mais uma demonstração que começou bem a temporada, depois das provas na Austrália, e que terá de ser tido em conta nas clássicas e provas de 1 semana.
Um português que chegou a andar no pódio da geral foi Nelson Oliveira, após uma prestação sólida no contrarrelógio. Quebrou ligeiramente no Malhão, caiu para 10º na geral, mas ainda assim é um bom resultado, o melhor entre as suas participações na Algarvia. O seu colega de equipa, Jaime Roson, foi uma agradável surpresa numa das poucas oportunidades de liderança que terá este ano. Esteve na discussão na Fóia e defendeu-se no contrarrelógio para terminar em 6º.
Houve mais ciclistas a deixarem uma boa impressão, Philippe Gilbert e Zdenek Stybar estiveram muito activos e parecem prontos para as clássicas que se avizinham. Bauke Mollema e Bob Jungels pareceram bastante sólidos, o duo da Bora-Hansgrohe composto por Felix Grosschartner e Patrick Konrad foi consistente. Daniel Martin esteve menos explosivo, mexeu-se cedo demais na Fóia, talvez em sinal de desespero por haver pouca dureza e não teve oportunidade de discutir o Malhão.
Quanto às equipas portuguesas, e numa visão resultadista, foi o Aviludo-Louletano que se destacou. Com 1 ciclista para a classificação geral e outro para os sprints, a equipa raramente se viu durante as etapas, mas em 4 das 5 etapas colocou alguém nos 22 primeiros. Vicente de Mateos voltou a estar muito bem no Algarve, acabou em 17º e sem a fuga do último dia teria estado nos 15 primeiros. Claramente o melhor entre as equipas portuguesas, e de longe. Luís Mendonça foi o sprinter mais regular entre as equipas lusas e juntou a isso uma capacidade para trepar muito assinalável.
A W52 – FC Porto colocou sempre alguém em fuga nas etapas em linha, João Rodrigues, um ciclista que muito evoluiu em 2017, envergou a camisola da montanha. César Fonte andou muitas vezes junto dos melhores e Gustavo Veloso acabou a prova com uma fuga. O Sporting/Tavira chegou com expetativas elevadas, que caíram por terra quando o seu líder, Rinaldo Nocentini, foi forçado a abandonar por problemas no joelho. Apesar disso, Alejandro Marque foi o 2º melhor entre as equipas portuguesas e foi bom ver de regresso Joni Brandão e David Livramento, após ausências prolongadas.
A Efapel foi muito consistente, com Jesus del Pino, Daniel Mestre e Henrique Casimiro a andaram bem na montanha, andou por vezes em fuga e só perdeu a liderança na classificação colectiva entre as equipas portuguesas para a W52-FC Porto no último dia por 9 segundos. Na Rádio Popular-Boavista, nota para Oscar Pelegri, o reforço da equipa deixou uma boa nota como homem rápido que é e pode conquistar bons resultados em Portugal, enquanto Silin e Trofimov ainda ganham ritmo. A Vito-Feirense-Blackjack viu o seu líder cair e perder tempo logo ao 1º dia, o azar persegue mesmo Edgar Pinto, felizmente foram somente escoriações.
As 3 equipas que se estrearam a este nível aguentaram-se bem, somente 3 abandonos entre eles, o que até surpreendeu face à tremenda juventude dos seus plantéis. Francisco Campos, campeão nacional sub-23, logrou um excelente top 20 na 4ª etapa para a Miranda-Mortágua, a Liberty Seguros-Carglass e a LA Alumínios meteram por 1 ocasião um ciclista na fuga, sendo que a Liberty Seguros-Carglass conseguiu fazer 2º e 4º na juventude, por André Carvalho e André Crispim, respectivamente.
Na verdade, é complicado pedir mais às equipas portuguesas, a maioria dos outros ciclistas chega cá com mais ritmo competitivo, têm mais condições, e este modelo de prova claramente marcada pelo contrarelógio potencia ainda mais as diferenças. Para além disso, na perspetiva da maioria dos ciclistas lusos, este está longe de ser um objectivo de época. Se quiserem exposição a equipas de nível superior, terão as provas espanholas de Abril e Maio e os objectivos dos patrocinadores estão centrados na Volta a Portugal, com um acompanhamento nacional enorme. Podem dizer que a Volta ao Algarve tem transmissão Eurosport internacional, mas a Volta a Portugal também o tem e também dá exposição internacional, qualquer olheiro de equipa consegue acompanhar a Volta a Portugal através da Internet e de streams. Foi bom ver os melhores do Mundo nas estradas algarvias (e um pouco alentejanas) nestes dias, esperemos que haja mais em 2019!